sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Recordar é Viver: "Boca Stringhetti e a galinha dos ovos de ouro"

 


Por Wanderley `Tico´ Cassolla

Nos meus quase trinta anos de carreira no futebol, vivenciamos muitas situações pitorescas. Algumas pra lá de engraçadas. Se fosse escrever num livro, daria um volume bem grande. Muitas delas entrariam para o imensurável mundo do folclore do futebol

Hoje vamos recordar o incrível lance, um incrível “carrinho”, protagonizado pelo ex-lateral e treinador Irineu Stringheti, o conhecido “Boca”, num torneio realizado numa fazenda na região de Garça.

Calculo que tudo aconteceu no final do ano de 1980. A lavoura do café até então vivia uma grande fase, e nossa cidade se destacava na produção do famoso “ouro verde”. Por isto, na época era comum acontecer torneios de futebol entre as propriedades rurais. Até porque nas fazendas ou sítios moravam os trabalhadores nas casas das colônias.

Geralmente times da cidade eram convidados para participar. Lembro que fizemos “um catado” com o pessoal da Vila Nova e Manolo, de técnico o saudoso João Carlos Camacho. Não recordo o nome da fazenda onde aconteceu o torneio, porém, ficava pelos lados do Bairro Nove de Julho. 

Saímos ao meio dia, montamos num caminhão, com jogadores e até torcedores. O torneio ia começar às 13 horas.

Chegamos lá, a recepção foi das melhores, muita gente no campo. Os organizadores fizeram a inscrição, informando que o tempo de jogo era 10 x 10 minutos. Empate cobrança de pênaltis. No total eram onze times, nove rurais, um de Garça, outro de Vera Cruz.

Um sol de “rebentar mamona”. Um campo metade terra e areia, metade grama. O duro que no comprimento, era mais largo de um lado e mais estreito de outro, onde estavam as traves. Numa lateral havia eucaliptos, na outra os pés de café, que ficavam bem rente a linha demarcatória.

O Camacho já ordenou para o nosso capitão: sempre escolher defender no segundo tempo no lado mais estreito. Bastava marcar um gol, aí era só fechar atrás, segurar o resultado, pois era difícil sofrer gol no lado estreito. A tática deu certo e fomos avançando, jogo a jogo.

Na semifinal pegamos o time da casa. Eles tinham um ponta esquerda apelidado de Brasinha. Era um “escurinho” ligeiro e driblador, dominava a bola e partia pra cima com tudo. O nosso lateral direito era o Boca, cuja jogada forte era tirar a bola do adversário dando carrinhos. Antes do jogo começar ele foi alertado pelo técnico Camacho de como marcar o ponta em cima, sem dar espaço. No primeiro lance, o Boca fez bonito, antecipou a jogada, dominou a bola, e saiu para o ataque. Deixou o Brasinha a ver navios.

Nosso time estava firme, pressionando o adversário. Mas num rápido contra- ataque o Brasinha recebeu a bola quase em cima da risca lateral e disparou. O Boca resoluto gritou, “deixa comigo” e saiu correndo atrás dele. Ao chegar próximo dele armou o carrinho, encolheu as pernas e deu o bote no alto, uma voadora. O Brasinha parou a bola, o Boca passou lotado. Foi parar debaixo de um pé de café, onde tinha uma galinha chocando. Voou pena, pintinho, galinha e ovo pra tudo quanto é lado (foto). 

Rapidamente o Boca levantou, se limpando das penas, com o calção e camisa amarelada por causa dos ovos quebrados, além de um pintinho/ave por debaixo do calção. Agitado perguntava: “Mas a bola eu acertei, né?”.

Bem próximo onde ficava o ninho, havia a casa de um morador. E não é que sai um garotinho de uns 8 anos, correndo em direção ao pé de café, chorando e gritando: “Mãe, mãe, o hómi jogador de bola, chutou a galinha e espantou meus pintinhos, e quebrou os ovos que a galinha botou. Eu quero meus pintinhos, mãe!”.

Não restou alternativa ao juizão, senão paralisar o jogo e todos ali sair procurando os pintinhos no carreador de café. Conseguimos achar 7 pintinhos para felicidade do garotinho. Todos foram colocados num cesto, junto da galinha que braba, não parava de cacarejar “có-có-ri-có” (foto).

Depois o jogo foi reiniciado. Faltando um minuto para acabar, o Zelão Scarpinelo, foi na linha de fundo e cruzou no alto. Subi, a bola bateu no meu nariz, enganou o goleiro, e foi dormir na rede. Vencemos por 1 a 0, classificamos para a final.

Na decisão, contra o Sítio Ferreira, empatamos em 0 a 0 no tempo normal. Na disputamos de pênaltis, perdemos 3 a 2 e fomos vice-campeões. Lembro que estava tudo escuro, passava das 18 horas, difícil de enxergar, quando a bola entrava ou não. Mas foi um domingo recheado de emoções, com muita diversão, futebol, ninho de galinha, ovos quebrados, pintinhos e penas voando, e um troféu de vice-campeão, que jamais será esquecido.

Congregação Mariano

No flagrantes do início da postagem, o Boca (à esq) ao lado do Zé Luiz “Português”, grande ponta direita do futebol amador de antigamente. 

Como jogador o Boca defendeu dentre outros, o La Plata, Casa Carlos, Congregação Mariano, Americano do Shel e La Plata. 


Mas se destacou como técnico por vários 
anos da Casa Ipiranga (foto), comandando a equipe quando foi bi-campeã amadora no ano 1984, repetindo o feito de 1974. Em pé, da esquerda para direita: Pedro Alves Neto (presidente), Amaral, Clecinho, Tião Barbosa, João Carlos Toretto, Marinho Baraldi, Iza e Boca (treinador); agachados, mesma ordem: Levi (massagista), Zirtinho, Canelinha, Gesuel, Ziquinha e Pedrão.

Em tempo: Foi uma história real, não é invenção ou folclore do futebol. Podem perguntar para o Boca Stringheti. Se ele desmentir, você ganha um par de chuteiras novas, pode nos cobrar !!!