sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Recordar é Viver: "Rizzi, o primeiro jogo ninguém esquece"

 


Por Wanderley `Tico´ Cassolla

A Copa do Mundo do Catar começa neste final de semana. Do dia 20 de novembro até 18 de dezembro a bola vai rolar nos gramados catarianos, com o melhor do futebol mundial. No total serão 64 jogos, com a final marcada para o Estádio Nacional de Lusail, em Doha. A Seleção Brasileira, a única a participar de todas as Copas, está entre as favoritas. A torcida é para que ela entre em campo no dia 18 de dezembro, e traga o inédito hexacampeonato.

Para quem gosta de futebol, assistir ao vivo um jogo da seleção canarinho é fantástico. Ver a camisa amarela entrar em campo, seja um jogo oficial ou amistoso, com a torcida vibrando, ouvir e cantar o Hino Nacional são fortes emoções. Garanto que se você teve esta oportunidade, jamais esquecerá.

E como a primeira vez a gente nunca esquece, me lembro como se fosse hoje, quando assisti um jogo da Seleção. Foi no dia 18 de junho de 1977, no Morumbi, em São Paulo: Brasil 3 x 1 Polônia. Para o Brasil marcaram Paulo Isidoro, Reinaldo e Rivelino, cobrando pênalti, enquanto Boniek, descontou para os poloneses.

Mas para assistir o jogo foi uma verdadeira aventura. Primeiro por não conhecer nada da metrópole São Paulo. O segundo por encarar a viagem de trem, bilhete de “segunda”, para baratear custos. Fomos em dois, eu e o amigo Zequinha, filho do `seo´ Belmiro. Dois “caipiras do interior”, pegando o trem noturno numa sexta-feira à noite, chegando em SP, no sábado de manhãzinha.

Durante a semana no Bar do Mogami, o Túlio Calegaro, que havia morado em SP., nos orientou e até desenhou um mapa, que levamos debaixo do braço, com o roteiro da Estação da Luz até o Morumbi. Na teoria tudo fácil, na prática complicou tudo. Ao desembarcamos do trem, naquela correria de passageiros, saímos pelo lado errado, e fomos parar no meio de uma praça. O dia estava amanhecendo, e sem conhecer ninguém. O Túlio, naquela época, comentou da violência da cidade grande. Nada de perguntar para estranhos, pois poderiam descobrir que éramos do interior, e ser assaltados. Eu e o Zequinha, um tanto quanto temerosos, resolvemos de antemão, voltar para Garça no primeiro trem, que saía às 9 horas. O jogo da Seleção ficaria para uma próxima vez.

Até que, como que num golpe de sorte, nós, sentados no banco da praça, vimos surgir na esquina um rapaz parecido com um garcense. Ficamos a observá-lo andando, mas nada de aproximar. Até que ele veio em nossa direção, parou e perguntou: “vocês dois não são de Garça?”. Eu e o Zequinha, meio que assustados, respondemos em coro afirmativamente. Ele falou: “Eu sou o Antonio Ettore Rizzi, jogamos bola em Garça. Vocês eram do Ipiranga, eu do time do Paulista. Cansei de correr atrás do Tico. Eu mudei de Garça, agora estou trabalhando em SP. E vocês parecem que estão “meio que perdidos?", com o Zequinha respondendo: “Viemos assistir ao jogo do Brasil, mas erramos o caminho, e decidimos voltar para Garça, no próximo trem. O Rizzi retrucou: “Nada disso, vocês vão assistir o jogo sim, vamos para o Morumbi. Hoje é festa dos funcionários da empresa onde trabalho, vou disputar o título no futebol”. Ele estava bem vestido, a tiracolo uma bonita bolsa da Adidas, com o material de jogo.

Primeiro o Rizzi nos levou a pé no apartamento onde morava, que ficava à rua Tabatinguera, não longe dali. Tomamos um café na padaria da esquina, e partimos de ônibus circular para o Morumbi. Chegando lá, ele nos explicou como voltar. Ao lado da praça Roberto Gomes Pedrosa era para pegar uma perua Kombi de lotação com destino a Praça da Sé, e falar para motorista parar no começo da rua Tabatinguera.

Em seguida, compramos os ingressos nas bilheterias e entramos no lendário Morumbi. Nos despedimos, ele foi pra a festa da empresa e nós para o jogo.

Foi um jogaço, o Brasil venceu com certa tranquilidade. O árbitro foi o irreverente Armando Nunes Castanheira da Rosa Marques. Pelo lado brasileiro, vimos desfilar os craques Rivelino, Zé Maria, Luiz Pereira, Toninho Cerezo, o centroavante Reinaldo, que marcou um golaço. Na Polônia, os destaques eram o grandalhão goleiro Tomaszewski, os meias Deyna, Szarmach e os atacantes Boniek e Lato, este o artilheiro da Copa do Mundo de 1974 na Alemanha. Enfim, assistimos a um futebol de primeiro nível mundial.

Jogo encerrado, embarcamos na perua Kombi, com no mínimo umas vinte pessoas. O motorista nos deixou ao lado do prédio onde o Rizzi morava, juntamente com mais garcenses.  A turma tinha vindo para Garça, só ficou o Beto Kobayashi e o Rizzi. Se não me engano o “apê” era no décimo primeiro andar e subimos pela escada. Elevador nem pensar. Como “mexer naquilo?”. Tomamos um banho, encaramos a escada e fomos até uma lanchonete na esquina. Compramos dois sanduíches e um guaraná de um litro. Na hora de pagar, o caixa falou: “Já está certo, o Rizzi já deixou pago”. Uma surpresa para nós. 

Voltamos para o “apê”, um tanto quanto cansados e mais onze andares para subir. Caímos na cama e apagamos. No domingo, bem cedinho, está o Rizzi nos acordando. Gentilmente nos levou até a Estação da Luz. Assim que o trem chegou, naquele tumulto, de gente atropelando gente, rapidamente ele entrou e guardou um banco para nós dois. Agradecemos por tudo e um “tchau” de agradecimento e satisfação.

Passado algum tempo, reencontro o Rizzi novamente em Garça. Creio que perdeu o bom emprego que tinha, e voltou para cá. Já não era mais o mesmo de São Paulo. Tentou trabalhar por aqui, em vão. A vida ultimamente estava um tanto quanto cruel com ele, apesar de ser uma pessoa generosa e de bom coração. Sempre o encontrava andando pelas ruas da cidade (foto), sozinho e solitário. 


Conversávamos basicamente sobre futebol, da época que ele jogou no time do Paulista, que recordamos hoje. Em pé da esquerda para direita: Zé Reinaldo, Estevam Soares, Adalto, Rizzi, João Carlos, Zé Walter e José Roberto; agachados: Luiz Carlos, Nardo, Nicola, Zé Renato, Julião e Jair Proença. 


Na outra foto, uma nova formação do Paulista, com os jogadores posando segurando a bandeira do time. Foi durante a abertura do Campeonato Amador do ano de 1.973. O Rizzi está em pé, é o sexto da esquerda para direita.

No último dia 18 de outubro, soube do seu falecimento. Fiquei triste, e voltei no tempo, lembrando da sua alegria em poder ajudar seus amigos da terra natal, deixando até mesmo a sua diversão de lado.

É Rizzi, de fato, a primeira vez a gente nunca esquece. Se eu realizei o sonho de assistir ao jogo da Seleção Brasileira no dia 18 de junho de 1977, eu devo única e exclusivamente a você.

Muito Obrigado !!!